sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Difícil mas invicto (e líder) F.C. Porto-Gil Vicente, 3-1 (crónica)



Pensar em Radamel Falcao, sofrer a dor da perda e sobreviver à custa de uma segunda parte apaziguadora. No Mónaco não haverá a mesma margem de manobra
Por Pedro Jorge da Cunha

A síndrome da perda é duríssima. Abstinência emocional, coração confuso, uma encruzilhada de opções bloqueadas pelo choque. Só o tempo a pode diluir do organismo. O diagnóstico é provisório, porém. Afinal, nem 48 horas passaram do adeus a Falcao e já o F.C. Porto saiu à rua. Com seriedade, é verdade, mas principalmente intranquilo e comprometido, como se um injustificado sentimento de culpa se tivesse apossado da equipa.

Esta estrutura detesta mudanças, adaptações, fins de ciclo. A história recente está recheada de exemplos que o comprovam. Adulto responsável que é, o campeão nacional só vive na estabilidade, na casa arrumada, nas camisolas de cor logo na gaveta de cima e as cinzentas logo antes das pretas e brancas. Há quem chame a isto ser obsessivo compulsivo. Nós preferimos ser menos dramáticos. O F.C. Porto apenas gosta de se sentir seguro.

Por mais que Vitor Pereira o tente desvalorizar, o panorama é demasiado óbvio. No Dragão está em andamento a introdução silenciosa e gradual de um novo ciclo. Sem o anterior treinador, sem Radamel Falcao, para já sem Alvaro Pereira e Fernando. São angústias a mais, questões por resolver, acertos adiados até 31 de Agosto.

Tudo isto para dizer que a vitória sobre o Gil Vicente não é uma história fácil de contar. O 3-1 de linear nada tem. Principalmente por culpa de uma equipa que ainda não sabe muito bem o que esperar de si própria. O F.C. Porto, claro.

Dois golos a maquilhar uma dor profunda

Horrível. A primeira meia-hora dos campeões nacionais foi horrível. Aos dois minutos, Sapunaru perdeu uma bola para Hugo Vieira e o lance acabou com Otamendi e derrubar o gilista. Grande penalidade convertida por João Vilela, o F.C. Porto ainda mais envergonhado, ainda mais sem rumo.

FICHA DE JOGO E NOTAS

Mesmo depois de uma resposta convicta, sustentada em dois golos, pouco mudou na qualidade de jogo dos azuis e brancos. Hulk sofreu e concretizou também um penálti, antes de Sapunaru fazer de cabeça o 2-1. Tudo parecia corrigido, não fosse a retumbante parcimónia da formação portuense em praticamente todas as acções de jogo.

Mau, tudo muito mau até aos 30 minutos. O Gil Vicente, naturalmente, percebeu a tacanhez que do adversário se apoderou e fez o seu jogo. Certinho atrás, desenvolto pelas alas, perturbador no último terço do terreno. Aplausos para Hugo Vieira, também para o guarda-redes Adriano Facchini e o médio João Vilela.

No Mónaco não há lugar para a saudade

O amor é assim. Sempre foi, sempre será. O medo de perder o que acabámos de tocar. Falcao tocou os adeptos do F.C. Porto durante dois anos. Foi-se embora, deixou muitos corações no vazio. As leis mercantilistas de lógica pouco têm e de afectividade ainda menos. Este Porto terá de ser inteligente, racional, para ultrapassar as dores da separação.

Na segunda parte já se viu um pouco desse F.C. Porto. Parou para reflectir, percebeu que deve olhar para o jogo como uma diversão responsável, nunca como uma tortura, nunca como uma tarefa cumprida de rosto cerrado.

O pontapé gutural de Hulk facilitou as coisas. 3-1, níveis de tranquilidade repostos. O futebol de algodão doce, infantil e ingénuo, passou a ser lúcido. Pelo menos isso. O dragão agarrou-se a tudo o que pôde até a tormenta acalmar. Funcionou. Desta vez funcionou.

O futuro começa agora mesmo. E tem o Barcelona de Pep Guardiola no horizonte. Sabe-se que para os catalães nem o relatório de autópsia comprova a morte do opositir. Os catalães querem bola, bola e mais bola, têm um prazer sádico em brincar com a presa morta. Um apetite voraz potenciado pelo desvelo e a paixão.

Se o F.C. Porto os afrontar ainda acometido desta saudade e da tal síndrome, o mais provável é acabar numa mesa fria de uma morgue monegasca. Há uma semana para despir o luto.

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