domingo, 29 de maio de 2011

Clube adiou a guerra e venceu a Champions



Há precisamente 20 anos uma geração brilhante de jogadores do Estrela Vermelha construiu a paz no moisaco étnico dos Balcãs: mas só durou três meses
Por Sérgio Pereira

29 de Maio de 1991. Faz este domingo vinte anos que a antiga Jugoslávia interrompeu o clima de ódio e tensão para celebrar a festa do futebol. A guerra estava iminente, o conflito mais cruel e sangrento que o mundo conheceu depois da Guerra Mundial, mas nesse dia os povos uniram-se na celebração.

A celebração que se fala é a vitória na Taça dos Campeões Europeus: foi o único título europeu de uma equipa jugoslava (ou sérvia, ou croata, ou bósnia). Na final o Estrela Vermelha venceu o Marselha, de Mozer, nos penalties. A outra noite de glória sucedeu nas meias-finais, na eliminação do Bayern.

Luko Petrovic, o treinador croata desse Estrela Vermelha, disse anos depois que aquela equipa construiu a paz, só foi pena que o país não lhe tenha seguido o exemplo. Três meses depois rebentou a guerra que roubou a vida a milhares de inocentes. Jovanovic lembra-se desta entrevista. «Falou bem, o mister.»

Quando Boban afirmou a iminência da guerra

Jovanovic era o guarda-redes suplente do Estrela Vermelha e viveu por dentro a epopeia da equipa memorável que reunia todo o mosaico étnico dos balcãs. Com o início da guerra veio para Portugal. Para sempre: por estes dias é treinador do Leça. «Aqui encontrei paz, sossego e amigos. É tudo o que preciso.»

O convite do Maisfutebol fê-lo recuar no tempo para lembrar esses dias. «São coisas que nunca se esquecem», diz com água nos olhos. «Quando voltámos Belgrado estava parada. A polícia não deixava os carros circular. Passámos de autocarro descapotável, todos nos saudavam.» Milhares de pessoas.

«No início da época sentia-se que podíamos ir longe, mas no primeiro jogo empatámos em casa com o Grasshopers e foi uma tristeza como nunca vi. Foi a semana mais difícil. Depois fomos à Suíça ganhar por 4-1 e nunca mais parámos.» A final foi diferente. «Muito pobre, 0-0. Ganhámos nos penalties.»

Memórias de uma geração roubada pela guerra

Para trás tinha ficado o ódio que marcava o relacionamento entre os povos. «A guerra começou três meses depois», conta. «Sangrento? Foi sobretudo muito sujo. Mataram-se milhares de civis inocentes. Foi muito violento. Mas de todos os lados: não estamos a falar só de sérvios ou só de croatas.»

«Sérvios, croatas, bósnios, foram todos iguais. E agora parece que não se passou nada. São amigos, fazem negócios, enfim. Mas quem morreu, morreu.» Jovanovic saiu do país em 93, a maior parte dos colegas saiu ainda antes disso. «Com o início da guerra desfez-se a equipa. Ninguém quis ficar lá.»

Para a história ficou o exemplo de uma equipa irrepetível. «O mister Petrovic era croata, como o Prosinecki. O Savicevic o Radinovic e o Marovic eram montenegrinos, o Pancev era macedónio, também havia bósnios.» Viviam todos em Belgrado e defendiam um Estrela Vermelha conotado com o regime.

«Dávamo-nos muito bem. Não olhávamos para o lado a pensar que era croata ou bósnio ou macedónio. Mantivemos sempre a amizade, alias. Frequentemente reunimo-nos em Belgrado. Este ano vai fazer-se uma grande festa. Até se convidou o Marselha para recordar a final». Jovanovic já está aliás em Belgrado.

«Nessa altura já havia tensão, a política provocava raiva entre as pessoas, mas nós não queríamos saber. Eram coisas que ficavam à porta do balneário.» Um balneário cheio de talento. «Agora fala-se do Messi, mas o Savicevic na altura já fazia as mesma coisas que o Messi faz agora. Era fantástico»

«O Pancev foi Bota de Ouro, o Mihajlovic fez catorze anos em Itália, o Prosinecki jogou no Real e no Barça, o Jugovic ganhou três Ligas dos Campeões por três clubes diferentes. Era uma equipa com muita qualidade, não era?». «Sem dúvida», responde-se. Provavelmente só ela podia adiar a guerra.

Sem comentários:

Enviar um comentário