sábado, 30 de abril de 2011

Haiti: futebol num inferno que sobrevive a si mesmo



Cenário de catástrofe ao lado da República Dominicana
Por Vítor Hugo Alvarenga

O terramoto de Janeiro de 2010 não lhes roubou a esperança. O surto de cólera também não. Afinal, eles já estão no inferno. E vivem, sobrevivem. Eis o retrato de um Haiti que tropeça a cada passo, sem jamais cair. Um ano após a tragédia que chocou o Mundo, pouco ou nada mudou. Estavam mal. Assim continuam.

A soma de todos os males resulta numa nação maioritariamente privada de saneamento básico, electricidade ou um mísero tecto. A suprema ironia de uma terra que reclama ter sido esquecida por Deus chama-se Cité Soleil.

Haiti: futebol salvou desalojados antes de os expulsar

Cité Soleil, a irónica cidade do sol, é o maior bairro de lata do Hemisfério Norte e um dos locais mais perigosos do Mundo. Sobreviveu ao terramoto, uma vez que as barracas pouco tinham por onde ruir, e ficou ainda mais letal com a chegada dos principais criminosos do país, evadidos da cadeia de Port-au-Prince, a capital, que ficou em escombros.

Os gangues controlam um território onde o lixo preenche a paisagem. Lá fora, o resto do Haiti procura renascer das cinzas. O terramoto levou 250.000 vidas, talvez mais, e deixou mais de um milhão sem casa.

A independência, os abusos e Clinton

Quando a terra tremeu, mais do que tremera nos últimos duzentos anos, milhares de famílias procuraram refúgio dos campos de futebol. Crónicos apaixonados pelo deporto, os haitianos pediram licença e entraram. Até hoje. Onde havia relva, montou-se uma barraca.

Os acampamentos para desalojados seriam o princípio de um processo de recuperação que tarda. Relatos de abusos sexuais nesses recintos sem lei multiplicaram-se ao longo dos meses.

Bill Clinton, antigo presidente dos Estados Unidos que lidera a Comissão de Recuperação do Haiti, é acusado de distribuir grande parte dos fundos de ajuda por empresas internacionais, com os locais a sobreviveram no limite das condições humanas.

O Haiti duvida até de si mesmo. Em mais de duzentos anos de independência da França, jamais conseguiu afastar a imagem de inferno, a outra face de uma moeda chamada Ilha de São Domingos. Ao lado, a República Dominicana, o paraíso visitado por milhares de portugueses.

«Sem o futebol, não teríamos nada»

No meio de tudo isto, o futebol. O Palácio Nacional, a prisão central e vários edifícios emblemáticos vieram abaixo. A sede da Federação Haitiana de Futebol também, matando três dezenas de pessoas. Com os estádios ocupados pelos sobreviventes, perdeu-se a alegria do desporto.

Edson: do 25 de Abril em Portugal à miséria no Haiti

Lentamente, a bola volta a rolar no país, fazendo esquecer temporariamente a crueldade da natureza e dos homens.

«O futebol é parte da felicidade de cada país. Já trabalhei em países onde o futebol é uma loucura, como o Irão, a China e o Haiti. No Irão, onde está agora Carlos Queiroz, é terrível, mas nada comparado ao Haiti. São fanáticos mesmo», resume Edson Tavares, brasileiro, actual seleccionador do Haiti, em conversa com o Maisfutebol.

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