sábado, 30 de abril de 2011

Chernobyl, 25 anos: uma bola e vodka para fintar a radiação


Reportagem Maisfutebol
Por Pedro Jorge da Cunha2

Djata é uma figura real. A sua história foi contada no capítulo O fim do mundo do livro O Rei Branco, de Gyorgy Dragomán. Djata era guarda-redes, tinha 11 anos e morava a poucos quilómetros da central nuclear de Chernobyl. No dia 26 de Abril de 1986, a tragédia não o impediu de jogar futebol.

«O coronel [treinador] veio ter connosco e falou-nos do acidente. Disse-nos que o vento podia espalhar a radioactividade e que o jogo não se devia realizar. Mas a polícia não queria que entrássemos em pânico e assegurou não haver problemas», conta, num doloroso regresso ao passado.

«Fomos aconselhados a não nos atirarmos para o chão e a evitar o contacto com a bola. A relva já estava toda contaminada. Como é que havíamos de jogar sem tocar na bola? Chegaram uns senhores e deram-nos umas pastilhas brancas. Pensámos que nos iam envenenar. O camarada coronel sossegou-nos: É só iodo. Jogámos e ganhámos comigo na baliza. Vencer era mais importante do que fugir à radiação.»

Djata tem 36 anos e gravíssimos problemas de saúde. Aquele foi o último dia da sua vida em que jogou futebol.

Uma «atomograd» com tudo, menos pessoas

A vida deste ucraniano simboliza a infância roubada a várias gerações. A Agência Internacional de Energia Atómica contabiliza quatro mil mortes, por exposição directa à radiação emitida pelo reactor quatro de Chernobyl. O número é polémico. Há quem fale em mais de dez mil.

O rumor, de resto, acompanha o cataclismo desde o primeiro instante. John Turnbull, jornalista e estudioso do fenómeno, dá conta disso mesmo ao Maisfutebol.

«A razão para o desastre permanece um mistério. A primeira versão falava numa quebra de energia generalizada, pois nessa noite tinha-se jogado um Dínamo Kiev-Spartak Moscovo para o campeonato da URSS. Toda a gente quis seguir o encontro na televisão. Terá havido um sobreaquecimento na distribuição eléctrica e, consequentemente, na central nuclear.»

A versão nunca foi confirmada. Sabe-se, isso sim, que Chernobyl colocou a nu a auto-intitulada perfeição do regime de Mikhail Gorbatchev.

«A cidade de Prypiat tinha sido construída como exemplo da grandiosidade soviética. Dois estádios, vários ginásios, três piscinas. A União Soviética orgulhava-se desta atomograd [cidade projectada para os funcionários da central nuclear e respectivas famílias].»

Prypiat possui um hotel de seis andares, um centro cultural majestoso, um parque de diversões famoso pela sua roda gigante, três piscinas, dois estádios. Tudo em ruínas, tudo corroído pela ferrugem do tempo. Prypiat só não tem pessoas.

«Na minha última visita reparei numa bola vazia, parada no recreio da escola. Pensei quem teria sido a última criança a pontapeá-la e se essa criança ainda está viva.»

«É um pedaço de mundo sem esperança»

Narodichi foi uma das cidades mais atingidas. Faz parte da Zona de Exclusão. Em 2005, num acto simbólico, recebeu a final de uma liga amadora de futebol. Os jogadores desafiaram o ar impregnado de átomos doentes e jogaram 90 minutos. Nicky Larkin, realizador de documentários, assistiu e filmou o momento.

«Há cinco mil trabalhadores nessa zona. Uma das equipas era formada por eles», narra ao Maisfutebol desde Telavive, onde se encontra a fazer um filme sobre o conflito israelo-árabe.

«Parece impossível, mas eles acreditam veementemente que o álcool refreia o efeito da radiação. Antes do jogo todos beberam doses inacreditáveis de vodka e cerveja. Passei uma semana na zona e foi uma experiência de loucos.»

Larkin recorda «o vento frio» e o céu «azul turquesa» da região. «É um pedaço de mundo sem esperança.»

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