quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Olé! Olé!



Portugal-Espanha, 4-0 (crónica)
Ronaldo destapou o vulcão e a Selecção virou a páginaPor Nuno Madureira
Na fronteira do irreal! Ao golear o campeão do Mundo em título, e assinar a exibição mais festiva de há anos a esta parte, a selecção portuguesa deu um passo decidido para sair do abismo de insegurança em que andava mergulhada.

Os 4-0 à Espanha torpedeiam a cumplicidade ibérica, prometida a pretexto do Mundial-2018, mas são mais importantes do que isso. Uma genialidade de Ronaldo na primeira parte foi a fagulha que incendiou o jogo, virando definitivamente a página sobre os tempos em que esta equipa não era capaz de ganhar a Chipre.

Com menos gente nas bancadas do que a ocasião pedia, cedo se percebeu que não haveria novidade com as três alterações efectuadas por Paulo Bento: Bosingwa não estranhou a passagem para a esquerda, Bruno Alves reactivou a cumplicidade com Ricardo Carvalho e Postiga integrou-se desde o primeiro minuto nas movimentações de ataque.

O jogo encontrou cedo o tom ideal. O lado festivo era ilustrado por pormenores técnicos de primeira água, de um lado e de outro e a competitividade ficava sublinhada pelas amabilidades trocadas por Ronaldo e Busquets, amarelados em lances sucessivos antes dos 10 minutos, no que pareceu uma antestreia do próximo Barcelona-Real.

Ronaldo passou os 20 minutos seguintes em dificuldade, esbarrando por sistema numa dupla parede. O protagonismo no lado português passava para Moutinho (colossal!) e Meireles, que brilhavam a grande altura na pressão e nas intermitências que causavam ao tiki-taka espanhol.

Avisos de Iniesta e, principalmente, David Silva, que cabeceou para fora com Eduardo batido, ilustraram essa fase em que a Espanha pareceu mais confortável no jogo. Sem que, em algum momento, Portugal pagasse tributo de medo ao campeão do Mundo.

Monumento estropiado

O segundo acto chegou com um monumento estropiado: aos 37 minutos, pela primeira vez com espaço, Ronaldo explodiu para um dos melhores golos da carreira, antecedendo um chapéu insolente a Casillas com um nó cego sobre Piqué. A sofreguidão de Nani e a má avaliação do auxiliar, não detectando que a bola já estava dentro no momento do seu toque, invalidaram a acção. E privaram a candidatura ibérica ao Mundial 2018 do melhor cartaz de propaganda que o Mundo poderia ver.

Apesar do desfecho inglório, esse lance destapou o génio de Ronaldo. Num ápice, o jogo pegou fogo para os espanhóis, e Carlos Martins viu Piqué negar-lhe um golo no lance seguinte, antes de, sobre o intervalo, abrir o marcador após mais uma ruptura explosiva de Ronaldo na esquerda, com Busquets como vítima.

Poderia pensar-se que as substituições ao intervalo iam voltar a nivelar o jogo, até porque Ronaldo já não estava em campo. Mas o impensável aconteceu: enquanto Portugal ganhava asas, sempre com Moutinho e Meireles com motores de arranque, o rendilhado espanhol perdia sentido e motivação.

Com mais espaços do que parecia possível, a selecção portuguesa começou a recrear-se, cozinhando cedo um segundo golo brilhante, com Nani e Moutinho a prepararem o calcanhar festivo de Postiga (2-0 49 minutos).

O deslumbramento estava a um passo, e Nani demonstrava-o, com nova infantilidade perante Casillas. Mas entre olés perfeitamente desnecessários, Portugal prosseguia a demolição estrondosa de um campeão mundial à deriva, imitando o que a Argentina já fizera.

Postiga sublinhou o renascimento com o seu segundo golo da noite (68 m), e o jogo entrou no último acto, o menos intenso dos três, encerrado com a última estocada, de Hugo Almeida. Para a História, ficou o registo de maior vitória de sempre sobre a Espanha, e também o melhor resultado frente a um campeão do Mundo em título.

Fica também o reforço da convicção que, depois de um longo eclipse a lutar contra inseguranças e temores, a Selecção volta a poder olhar sem medos para adversários de primeira linha, tentando impor-lhes argumentos e identidade próprias. Mas essa é uma convicção que o futuro terá de confirmar em jogos a doer.

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